É bonito de ver o que está acontecendo no Brasil. Apesar de todos os
equívocos, sim, porque eles também estão acontecendo, nada muda o fato de que a
população está se organizando, e indo atrás do que lhe é de direito. De que,
agora, não é só na Europa que o povo se organiza e toma as ruas e praças
públicas das grandes (e pequenas) cidades, põe a cara pra bater, e vai atrás
dos seus direitos, literalmente. Aqui também sabemos fazer isso.
Não podemos desconsiderar que essa mobilização toda que vem acontecendo
em nosso país, não surgiu do nada. Originou-se de grupos já organizados, que
historicamente encampam essas lutas sociais, por melhorias no transporte
público, e tudo que isso envolve; melhorias na saúde; na educação; na
legislação; desoneração da carga tributária, enfim, são muitas as nossas
demandas e necessidades. E que, na sua maioria, tem sido negligenciada pelo poder
público, em todas as esferas de governo.
No entanto, em poucos dias, vimos surgir um grande movimento popular,
que acabou com a “solidão” desses grupos, que foi para as ruas exigindo
atenção, fazendo barulho, exigindo que sua indignação, sua inconformidade, suas
necessidades sejam ouvidas.
Um movimento, que começou com a luta contra o aumento de R$ 0,20 na
tarifa dos transportes urbanos de São Paulo, a luta do Movimento Passe Livre.
Mas que, rapidamente, deixou de ser apenas pelos R$ 0,20 da tarifa, e agora até
o Maradona e o Mark Zuckenberg sabem disso, o que não quer dizer, efetivamente,
nada. Se isso não confirmasse o fato de que o mundo todo está vendo o que está
acontecendo por aqui, o que quer dizer muito. Pra muito além da luta do MPL,
passou a ser uma luta coletiva, de todo o povo brasileiro, que clama por
mudanças em nosso país. Mudanças que transformem efetivamente a realidade e a
vida das pessoas. Mudança de atitude. Mudança de prioridades. Mudança de
postura dos políticos que nos representam. Mudança de rumo.
Os nossos representantes políticos, que ainda tem algum juízo,
certamente, estão observando isso tudo com espanto e muito cuidado. Devem estar
perplexos com a capacidade de organização da população, apesar do improviso, e
daqueles que estão se esforçando sobremaneira para atrapalhar e desqualificar o
movimento, que é legítimo. Estão percebendo, que o povo está ciente de quem
deve “mandar” nesse país, e que definitivamente, não são eles. As pressões
começam a surtir efeito. Muitas cidades já baixaram o valor das tarifas do
transporte público, e muitos políticos já se colocam à disposição para receber
representantes desse movimento, e discutir outras demandas. Os políticos, ou, uma
boa parte deles (porque generalizar é sempre burrice) podem ser egoístas,
corruptos, atuar por interesses próprios ou de uma pequena parcela da
população... Mas, não são burros. Ano que vem, é ano de eleição, e eles estão
vendo nas ruas, e verão (se tudo correr bem) nas urnas, quem manda nessa porra!
Por isso, barbas estão de molho!
Estão vendo que não podem mais simplesmente subir as tarifas de ônibus,
sem diálogo com a população; estão vendo que a repressão policial não intimida milhões
de brasileiros brigando por direitos; que as bombas de gás lacrimogênio fazem
menos barulho que a voz do povo... Enfim, tudo isso nos dá a impressão que uma
nova democracia está nascendo, a que vem realmente do povo. E por isso, além de
toda essa comoção, de ser brasileiro, e juntos lutarmos por direitos, além de
todas as motivações e da vontade de se fazer ouvir e conquistar, é preciso
calma, inteligência e discernimento. Porque, também nesse movimento, há tudo
quanto é tipo de gente.
O fato é que estamos em meio a uma grande crise de representatividade. Quem
é de “direita” não aceita e não se sente representado por um governo, a
princípio, popular. Que, torçam os narizes, mas, um governo que, apesar de
todos os equívocos, foi sim, capaz de transformações indiscutíveis para o país.
Talvez, não pra você, que nunca sentiu cheiro e teve que comer com o
pensamento... Bom, mas isso é outro assunto que, aliás, quero falar em outra oportunidade.
Por outro lado, quem é de “esquerda”, muitos, sentem-se traídos. Traídos pelo
pragmatismo político, daqueles que reduziram a política e seus ideais, pessoais
e partidários, à arte de vencer eleições; daqueles que em nome da “governabilidade”
fazem alianças com qualquer tipo de oportunista, e concessões antes impensáveis
para eles próprios; daqueles que a manutenção de suas ideias e princípios não é
mais condição sine qua non para a sua atuação política. Além desses dois
grupos, ainda existem aqueles que vivem à margem. Que dizem que “odeiam”
política. Mas, pra mim, isso é uma grande confusão. Ninguém deveria odiar
política, simplesmente porque somos seres políticos, fazemos política o tempo
todo, em casa, no trabalho, com os filhos, nos relacionamentos, e também, mas
não somente, na política partidária. O que estamos fazendo nas ruas, nesse
momento histórico do Brasil, é política pura.
Uma coisa que me chamou atenção nesses últimos dias é um pequeno
movimento que começa a pedir o Impeachment da presidenta Dilma, provavelmente
orquestrado pelos conservadores de plantão, que aproveitam esse momento de
mobilização popular para tentar seu “golpe”. A indignação e a revolta de todos,
e não só contra o governo federal, contra todas as esferas de governo, diante
de tanta inversão de prioridades, tanta ausência do Estado nas políticas
públicas que interferem diretamente na vida dos cidadãos, tantos desmandos... Tudo
isso é compreensível. Mas, penso que temos que ser razoáveis e inteligentes
numa hora como essa. Querem tirar a presidenta? E aí? Querem Michel Temer como
presidente do Brasil? Resolveria o nosso problema? Qual a alternativa a isso? Golpe? Ditadura? Todo cuidado é pouco...
Para refletirmos: há 20 anos tivemos a oportunidade de escolher, através
de um Plebiscito, o sistema de governo que regeria o Brasil. Tínhamos
opções... Monarquia, Presidencialismo e Parlamentarismo. Optamos, através
de uma consulta democrática à população, pelo Presidencialismo. Se votamos errado,
desde lá? Não sei, pode ser! Mas, confesso que ainda prefiro a democracia
representativa, onde, mal ou bem, o povo escolhe quem o governa. O que é
fundamental que aconteça, é que a política se renove; que surjam novas
lideranças; que o brasileiro, definitivamente, aprenda a votar, para que os
políticos, depois de eleitos saibam exatamente por quem estão lá; que as
cobranças pelos direitos sejam feitas, não só em grandes manifestações, mas no
dia a dia; que aprendamos a exercer cidadania não só na hora de ir para as
ruas, mas em todas as atitudes rotineiras, nos direitos e nos deveres.
Dúvidas: Vamos nos manter firmes e determinados, apesar de todos aqueles
que jogam contra? Está claro, onde queremos chegar? Temos (todos) clareza das
mudanças e transformações que queremos?
Apesar das dúvidas, meus desejos são: que o movimento cresça e se
fortaleça cada vez mais, e com objetivos claros; que os representantes políticos
respeitáveis (ainda existem), ou que querem ter alguma chance de continuar a
nos representar, entendam que o momento é de mudanças drásticas, que venham a
público, manifestem-se e ajudem eles próprios a fortalecer a democracia e a
mudar o país; que o vandalismo despropositado se dissipe em favor dos interesses
e objetivos coletivos, basta pensarmos a quem ele serve; e que o barulho de
bombas explodindo e de balas de borracha não sejam as onomatopeias desse
movimento.
Sigamos!